“Cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, ausculta-lhes o ritmo e afinar-se com ele”
Leonardo Boff, Saber Cuidar, Pg 96
Mãe. Esta palavra foi por muitos a primeira palavra dita. Segundo o Dicionário Aurélio significa: “mulher ou qualquer fêmea que deu a luz um ou mais filhos. Fonte, origem.”
Mãe é fonte, é origem. Mãe está no início. Com a Mãe estabelecemos nossa primeira relação. Ainda no ato da fecundação, desde o início, o feto, a pessoa, se banha no mundo anímico da mãe.
Desde o início, mesmo quando muitas ainda não sabem que carregam outra pessoa no ventre, não existe limite entre o que é mãe e o que é feto. Tudo o que é de um chega ao outro, sempre. A gravidez se desenvolve e a mãe passa a ter consciência da existência de outro indivíduo, nomeia e “separa”, mas para o outro o sentimento de unidade continua. A primeira grande separação acontece no parto, mas a verdadeira separação entre mãe e filho é um processo que se desenrola ao longo de toda a vida e só acaba com a morte de um. Mas, talvez, nem mesmo lá.
O filho da barriga, “sangue do nosso sangue”, foi formado a partir das células da mãe e do pai, embalado ao ritmo da mãe e alimentado pelos sentimentos da mãe... Isso cria uma impressão de mundo. Desde já, o bebê, a pessoa, interage e é formado física e psiquicamente. Desde já vive sua história. Desde já vive e vive com.
Segundo Gary Yontef em Processo, Diálogo e Awereness: awereness, que eu vou traduzir aqui como consciência, é acompanhada de aceitação. Esta aceitação é o processo de conhecimento do próprio controle, é a escolha e a responsabilidade pelo próprio sentimento e comportamento. Diz ainda que sem isso a pessoa pode estar vigilante, mas não a ponto de discriminar o poder que tem e o que não tem. Uma awereness, ou consciência, funcionalmente completa equivale à responsabilidade. Ser responsável é ter a capacidade de ser “resposta-hábil”, ter a habilidade nas respostas com relação ao meio. A maternidade/paternidade traz a responsabilidade de educar uma criança e educar é como olhar no espelho. Tudo o que você é, de bom e de mau, de útil e descartável, aparece nele, na criança. A consciência a partir do momento em que estamos com uma criança pode nos levar a percepção de que esta é uma oportunidade maravilhosa de se conhecer melhor e de se transformar. Um convite para uma auto-educação baseada no amor e na confiança, baseada em um sentimento de unidade e na capacidade de se colocar no lugar do outro.
Mas o fato é que a maioria das crianças hoje é gerada por mulheres que vivem em um ambiente com alto nível de estresse, tanto físico como emocional, e depois são criadas por terceiros, pela escola, pela televisão, etc. Que qualidade de sentimento estas crianças absorvem? E quando imitam, quem são os modelos? As crianças imitam o caos do ambiente em que foram concebidas e em que vivem.
Os pais, quando enxergam este caos (crianças nervosas, mandonas, doentes, medrosas, medicadas, com dificuldade de aprendizagem) não se implicam. Não se vêem. Levam a criança para os melhores especialistas e delegam, mas uma vez, a responsabilidade e a consciência a terceiros estranhos.
Se pensarmos na população de baixa renda, o caos e a falta de consciência são ainda maiores.
Existe uma sutil, mas determinante diferença entre ser mãe/pai e ter um filho. Chegamos, mas uma vez, a tão famosa dicotomia ter e ser. Famosa, mas muito pouco sentida. Talvez a dimensão espiritual possa apontar para uma maneira especial de vivenciar o fato de trazer uma pessoa ao mundo.
Estou falando de um “estado de graça” – graça aqui como agradecimento. Nas épocas matriarcais a gravidez ocupava o ponto central da vida como garantia da continuidade da comunidade. Hoje ela é tratada como doença ou com negligência.
Quando um homem fecunda uma mulher - estou me limitando a seres humanos, mas podem generalizar - algo de mágico acontece, algo que não se explica. Não são somente células que de repente passam a se multiplicar organizadamente. É um ser vivo! Uma pessoa e sua história. Quero chamar atenção para o respeito e a veneração que devemos sentir ao lidarmos com este período da vida, onde absolutamente tudo é absorvido sem críticas, sem filtro. Uma mulher grávida não gera sozinha. Toda a comunidade está junto com ela e também gera esta criança. As mulheres grávidas precisam de tolerância, de compaixão, de carinho, precisam de espaços onde possam trocar experiências, onde possam ver e sentir o belo e o bom da vida. Mulheres grávidas precisam estar livres e bem acompanhadas.
A maternidade vivida ativamente transforma a mulher e o homem envolvidos com ela. Uma criança recém chegada traz consigo uma energia difícil de classificar e descrever. É uma energia tão forte e mágica que reagimos a ela. Nossa sociedade reage à mágica da chegada controlando, limpando, medicando, ensinando, negando. Mas quando temos a humildade de deixar que essa energia nos guie, podemos sentir uma pontinha da magnitude da vida e agradecer. O momento do parto e os primeiros momentos de vida de uma pessoa marcam o ápice deste processo. É o momento onde os limites físicos entre mãe e filho se instauram, mas é ao mesmo tempo o momento do encontro. O primeiro e mais belo dos encontros. Como diz o ditado popular: a primeira impressão é a que fica. Quando somos recebidos com tortura, seguimos torturando e sendo torturados pela vida a fora. Quando somos recebidos com amor e ternura não precisamos nos defender, nem resistir. Percebo que os bebês que nasceram naturalmente e tiveram seu momento de encontro com suas mães respeitado, são pessoas receptivas e ao mesmo tempo são donas de seus corpos. Colocam limites clara e amorosamente. São pessoas que não foram invadidas e agredidas logo que chegaram e por isso não temem o contato com o outro. É de pessoas assim que o mundo precisa.
Existe uma responsabilidade enorme implicada na escolha de ser mãe/pai hoje em dia. Vivemos um momento da história de humanidade onde não sabemos se daqui a vinte anos haverá água potável, não sabemos se a vida na terra ainda será possível. Portanto temos a responsabilidade de trazer uma pessoa para um mundo totalmente incerto.
Ao mesmo tempo, a geração que acaba de chegar terá como tarefa primordial limpar a sujeira que o século XX deixou. Então, precisamos assumir a responsabilidade de colocar na Terra pessoas diferentes, pessoas que já nasçam em e com um novo paradigma, onde o altruísmo, o sentimento de unidade, o holísmo e o pensamento sistêmico sejam naturais. E essa transformação começa em nós. Sabemos hoje que somos apenas uma parte de um enorme organismo vivo que se chama Terra. A Mãe-Terra está doente e nós somos os responsáveis por tudo, pelo fim e pelo recomeço. Pensando assim posso transformar este mundo.
Cada um de nós pode descobrir a sua maneira de contribuir para um mundo melhor, mais justo, menos violento, mais belo. Transformando hoje o máximo que minha responsabilidade alcança, tanto no micro (nossas relações familiares e cotidianas...) como no macro (através do trabalho, ou em busca por uma causa...) durmo em paz.
Ao convidar conscientemente uma alma nova para este mundo, ao recebê-la de maneira amorosa e respeitosa estamos contribuindo para uma humanidade fraterna como diz minha querida Eleanor Madruga Luzes.
(Texto escrito em 2005 para uma palestra no Instituto Gestalt em Figura no Rio de Janeiro)
Mãe. Esta palavra foi por muitos a primeira palavra dita. Segundo o Dicionário Aurélio significa: “mulher ou qualquer fêmea que deu a luz um ou mais filhos. Fonte, origem.”
Mãe é fonte, é origem. Mãe está no início. Com a Mãe estabelecemos nossa primeira relação. Ainda no ato da fecundação, desde o início, o feto, a pessoa, se banha no mundo anímico da mãe.
Desde o início, mesmo quando muitas ainda não sabem que carregam outra pessoa no ventre, não existe limite entre o que é mãe e o que é feto. Tudo o que é de um chega ao outro, sempre. A gravidez se desenvolve e a mãe passa a ter consciência da existência de outro indivíduo, nomeia e “separa”, mas para o outro o sentimento de unidade continua. A primeira grande separação acontece no parto, mas a verdadeira separação entre mãe e filho é um processo que se desenrola ao longo de toda a vida e só acaba com a morte de um. Mas, talvez, nem mesmo lá.
O filho da barriga, “sangue do nosso sangue”, foi formado a partir das células da mãe e do pai, embalado ao ritmo da mãe e alimentado pelos sentimentos da mãe... Isso cria uma impressão de mundo. Desde já, o bebê, a pessoa, interage e é formado física e psiquicamente. Desde já vive sua história. Desde já vive e vive com.
Segundo Gary Yontef em Processo, Diálogo e Awereness: awereness, que eu vou traduzir aqui como consciência, é acompanhada de aceitação. Esta aceitação é o processo de conhecimento do próprio controle, é a escolha e a responsabilidade pelo próprio sentimento e comportamento. Diz ainda que sem isso a pessoa pode estar vigilante, mas não a ponto de discriminar o poder que tem e o que não tem. Uma awereness, ou consciência, funcionalmente completa equivale à responsabilidade. Ser responsável é ter a capacidade de ser “resposta-hábil”, ter a habilidade nas respostas com relação ao meio. A maternidade/paternidade traz a responsabilidade de educar uma criança e educar é como olhar no espelho. Tudo o que você é, de bom e de mau, de útil e descartável, aparece nele, na criança. A consciência a partir do momento em que estamos com uma criança pode nos levar a percepção de que esta é uma oportunidade maravilhosa de se conhecer melhor e de se transformar. Um convite para uma auto-educação baseada no amor e na confiança, baseada em um sentimento de unidade e na capacidade de se colocar no lugar do outro.
Mas o fato é que a maioria das crianças hoje é gerada por mulheres que vivem em um ambiente com alto nível de estresse, tanto físico como emocional, e depois são criadas por terceiros, pela escola, pela televisão, etc. Que qualidade de sentimento estas crianças absorvem? E quando imitam, quem são os modelos? As crianças imitam o caos do ambiente em que foram concebidas e em que vivem.
Os pais, quando enxergam este caos (crianças nervosas, mandonas, doentes, medrosas, medicadas, com dificuldade de aprendizagem) não se implicam. Não se vêem. Levam a criança para os melhores especialistas e delegam, mas uma vez, a responsabilidade e a consciência a terceiros estranhos.
Se pensarmos na população de baixa renda, o caos e a falta de consciência são ainda maiores.
Existe uma sutil, mas determinante diferença entre ser mãe/pai e ter um filho. Chegamos, mas uma vez, a tão famosa dicotomia ter e ser. Famosa, mas muito pouco sentida. Talvez a dimensão espiritual possa apontar para uma maneira especial de vivenciar o fato de trazer uma pessoa ao mundo.
Estou falando de um “estado de graça” – graça aqui como agradecimento. Nas épocas matriarcais a gravidez ocupava o ponto central da vida como garantia da continuidade da comunidade. Hoje ela é tratada como doença ou com negligência.
Quando um homem fecunda uma mulher - estou me limitando a seres humanos, mas podem generalizar - algo de mágico acontece, algo que não se explica. Não são somente células que de repente passam a se multiplicar organizadamente. É um ser vivo! Uma pessoa e sua história. Quero chamar atenção para o respeito e a veneração que devemos sentir ao lidarmos com este período da vida, onde absolutamente tudo é absorvido sem críticas, sem filtro. Uma mulher grávida não gera sozinha. Toda a comunidade está junto com ela e também gera esta criança. As mulheres grávidas precisam de tolerância, de compaixão, de carinho, precisam de espaços onde possam trocar experiências, onde possam ver e sentir o belo e o bom da vida. Mulheres grávidas precisam estar livres e bem acompanhadas.
A maternidade vivida ativamente transforma a mulher e o homem envolvidos com ela. Uma criança recém chegada traz consigo uma energia difícil de classificar e descrever. É uma energia tão forte e mágica que reagimos a ela. Nossa sociedade reage à mágica da chegada controlando, limpando, medicando, ensinando, negando. Mas quando temos a humildade de deixar que essa energia nos guie, podemos sentir uma pontinha da magnitude da vida e agradecer. O momento do parto e os primeiros momentos de vida de uma pessoa marcam o ápice deste processo. É o momento onde os limites físicos entre mãe e filho se instauram, mas é ao mesmo tempo o momento do encontro. O primeiro e mais belo dos encontros. Como diz o ditado popular: a primeira impressão é a que fica. Quando somos recebidos com tortura, seguimos torturando e sendo torturados pela vida a fora. Quando somos recebidos com amor e ternura não precisamos nos defender, nem resistir. Percebo que os bebês que nasceram naturalmente e tiveram seu momento de encontro com suas mães respeitado, são pessoas receptivas e ao mesmo tempo são donas de seus corpos. Colocam limites clara e amorosamente. São pessoas que não foram invadidas e agredidas logo que chegaram e por isso não temem o contato com o outro. É de pessoas assim que o mundo precisa.
Existe uma responsabilidade enorme implicada na escolha de ser mãe/pai hoje em dia. Vivemos um momento da história de humanidade onde não sabemos se daqui a vinte anos haverá água potável, não sabemos se a vida na terra ainda será possível. Portanto temos a responsabilidade de trazer uma pessoa para um mundo totalmente incerto.
Ao mesmo tempo, a geração que acaba de chegar terá como tarefa primordial limpar a sujeira que o século XX deixou. Então, precisamos assumir a responsabilidade de colocar na Terra pessoas diferentes, pessoas que já nasçam em e com um novo paradigma, onde o altruísmo, o sentimento de unidade, o holísmo e o pensamento sistêmico sejam naturais. E essa transformação começa em nós. Sabemos hoje que somos apenas uma parte de um enorme organismo vivo que se chama Terra. A Mãe-Terra está doente e nós somos os responsáveis por tudo, pelo fim e pelo recomeço. Pensando assim posso transformar este mundo.
Cada um de nós pode descobrir a sua maneira de contribuir para um mundo melhor, mais justo, menos violento, mais belo. Transformando hoje o máximo que minha responsabilidade alcança, tanto no micro (nossas relações familiares e cotidianas...) como no macro (através do trabalho, ou em busca por uma causa...) durmo em paz.
Ao convidar conscientemente uma alma nova para este mundo, ao recebê-la de maneira amorosa e respeitosa estamos contribuindo para uma humanidade fraterna como diz minha querida Eleanor Madruga Luzes.
(Texto escrito em 2005 para uma palestra no Instituto Gestalt em Figura no Rio de Janeiro)
retirado: duartecarolina@blogspot
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